BIODIVERSIDADE DE POLINIZADORES
A área de estudo, situada na propriedade agrícola Monte de Santo Isidro, apresenta vários tipos de habitat, com caraterísticas biofísicas distintas, e que deverão apresentar diferentes comunidades de seres vivos. Além das áreas de produção (com agricultura de precisão de cereais e de proteaginosas) e áreas semi-naturais envolventes dominadas por montado de sobreiro em regime agro-pastoril, foram criados, no final de 2020, um corredor ecológico e uma orla multifuncional (ver ações anteriores) visando promover a produção agrícola por intensificação ecológica. Para conhecermos a biodiversidade de polinizadores da área de estudo e avaliarmos a sua abundância e diversidade entre os diferentes tipos de habitat, foram realizadas amostragens durante o mês de junho de 2021, usando duas técnicas de amostragem complementares: a realização de percursos para registo de polinizadores e a colocação de armadilhas coloridas (pan traps).
A amostragem por percursos consistiu na realização de trajetos pedestres com a extensão de 50 m durante os períodos de atividade dos polinizadores (9-18h00) nos habitats estudados. Os polinizadores que se encontravam a uma distância de 2 m do observador foram registados (identificação no local das espécies de borboletas) ou recolhidos com o auxílio de uma rede entomológica e preservados em etanol 96% para posterior identificação no laboratório. Foram realizados quatro percursos para amostrar a abundância e a diversidade de polinizadores em cada um dos habitats selecionados.
A amostragem por armadilhas coloridas consistiu na colocação de conjuntos de pratos de plástico com as cores branco, amarelo e azul, consideradas as mais atrativas para os polinizadores, em cada um dos habitats. Os pratos continham água com detergente para captura dos polinizadores e foram colocados ao nível do solo entre o período das 9-18h30. No final desse período, foram recolhidas as amostras de cada prato e colocadas em frascos com etanol 96% para posterior triagem e identificação no laboratório. Foram realizadas três amostragens com os conjuntos de pratos coloridos em cada um dos habitats selecionados. Este tipo de amostragem teve alguns problemas devido à perturbação/destruição das armadilhas pelo gado, pelo que teve de ser repetido para se garantir a recolha de amostras suficientes.
Amostragem de polinizadores ao longo de percursos
Amostragem de polinizadores com pratos coloridos
As amostras dos percursos e das armadilhas coloridas foram transportadas para o laboratório de entomologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde vieram a ser estudadas com o auxílio de lupas estereoscópicas Olympus SZX7 e literatura especializada. Numa fase inicial foram realizadas as triagens do material entomológico, seguindo-se a identificação dos exemplares ao nível taxonómico da ordem/família e posteriormente, para alguns grupos de polinizadores, a identificação ao nível de género ou espécie.
No total do estudo foram amostrados 5220 exemplares, na sua maioria insetos (5142), pertencentes a 10 ordens e 82 famílias. Para melhor compreensão dos resultados, numa primeira fase apresentamos os dados gerais da distribuição da abundância dos polinizadores pelos tipos de habitat amostrados (Banda, Cultura e Montado), usando as duas técnicas de amostragem (Percursos e Armadilhas coloridas). Seguidamente analisamos com mais detalhe as diferenças de abundância e riqueza entre grupos taxonómicos de polinizadores nos diferentes habitats amostrados e para cada uma das técnicas de amostragem.
Para o estudo da comunidade de polinizadores é importante a utilização de técnicas de amostragem complementares dado que os diferentes grupos taxonómicos apresentam comportamentos e ecologias distintos, não sendo amostrados de forma eficaz por uma única técnica. Sendo assim, neste estudo foi utilizada a combinação de técnicas consensualmente recomendada na literatura científica (percursos e armadilhas coloridas). Através da amostragem por percursos assinalámos uma maior abundância de polinizadores na banda (55%), onde a densidade de flores era elevada, seguida do montado (31%), enquanto na área da cultura a abundância de polinizadores foi reduzida (14%). Por outro lado, as armadilhas coloridas não evidenciaram grandes diferenças na abundância de polinizadores entre a banda e o montado (respetivamente 24% e 18%), mas a cultura apresentou um grande número de exemplares. Estas diferenças nos resultados entre as duas técnicas de amostragem serão interpretadas abaixo, quando apresentarmos também os valores de riqueza dos diferentes grupos de polinizadores identificados no estudo.
Distribuição dos locais de amostragem na área de estudo
Identificação de exemplares à lupa
Preparação de exemplares
Variação na percentagem de abundância de polinizadores entre os habitats estudados, usando duas técnicas de amostragem
Quando analisamos separadamente os resultados de cada técnica de amostragem discriminando os principais grupos taxonómicos de polinizadores (Coleoptera, Diptera, Lepidoptera e Hymenoptera), podemos identificar diferenças nos seus valores de abundância e riqueza entre os habitats amostrados e interpretar melhor essas associações.
A amostragem com percursos evidenciou diferenças nos valores de abundância relativa e riqueza de espécies/géneros entre os diferentes grupos taxonómicos de polinizadores e entre os habitats estudados. A maior abundância e diversidade de polinizadores registou-se na Banda, enquanto a Cultura apresentou invariavelmente os menores valores de abundância e de diversidade (à exceção dos Coleoptera, que ocorreram aí com valores superiores aos registados no Montado). Os grupos taxonómicos mais abundantes e diversos foram os himenópteros (sobretudo as abelhas) e os coleópteros (escaravelhos), embora os dípteros (sobretudo bombiliídeos) tenham sido abundantes no Montado. Os lepidópteros (borboletas) constituíram o grupo de polinizadores menos abundante e diverso, apresentando um número idêntico de espécies na Banda e no Montado, mas sendo consideravelmente mais abundantes na Banda.
Cima - Abundância relativa de polinizadores de diferentes grupos taxonómicos nos habitats estudados usando percursos
Baixo - Diversidade de espécies/géneros de polinizadores de diferentes grupos taxonómicos nos habitats estudados usando percursos
Cima - Abundância relativa de polinizadores de diferentes grupos taxonómicos nos habitats estudados usando armadilhas coloridas
Baixo - Diversidade de espécies/géneros de polinizadores de diferentes grupos taxonómicos nos habitats estudados usando armadilhas coloridas
A amostragem com armadilhas coloridas apresentou resultados diferentes dos obtidos nos percursos. Os valores de abundância relativa de polinizadores mais elevados foram registados na Cultura (exceto para os lepidópteros, em que não houve grandes diferenças entre habitats, pois as espécies assinaladas são generalistas e comuns), mas os valores de riqueza de espécies/géneros de polinizadores foram semelhantes entre os habitats, exceto para os lepidópteros e dípteros, claramente mais diversos na Banda. O resultado surpreendente de valores de abundância mais elevados na área de cultura deve-se ao facto dos locais selecionados para colocação das armadilhas se encontrarem numa área marginal da zona de produção de feno, rodeada de linhas de água e zonas com flor, e com uma diversidade de microhabitats que proporciona locais de nidação para várias espécies de abelhas solitárias.
Na zona de produção de feno também encontrámos plantas herbáceas nativas em floração, em valor superior ao que é habitual registar neste tipo de culturas. Importa, pois, destacar que foram as condições específicas dos locais amostrados (parcelas pequenas envolvidas por uma área com diversidade de microhabitats) que ditaram este resultado inesperado e que, não sendo representativo do que ocorre em monoculturas extensivas, ilustra os efeitos positivos da naturalização/manutenção de áreas diversas em microhabitats na abundância local de polinizadores.
PERCURSOS
A amostragem de polinizadores usando técnicas diferentes costuma traduzir-se em resultados distintos, geralmente complementares e úteis para a interpretação dos fenómenos em estudo. A técnica dos percursos dá-nos informação fidedigna sobre os polinizadores que se encontram a alimentar de pólen e néctar nas flores existentes no habitat em estudo e colmata a parca informação quanto a espécies com voos e comportamentos mais esquivos ou até espécies menos abundantes localmente.
Já a técnica das armadilhas coloridas, atrai diferencialmente os grupos de polinizadores e captura várias espécies que se encontram em movimento nesse habitat (não sendo necessariamente residentes) ou que o utilizam como local de construção de ninhos, oviposição, desenvolvimento larvar e/ou hibernação/estivação. É também uma técnica que captura espécies de voo mais lento ou raso. Neste caso, quando colocadas nas margens dos habitats, as armadilhas coloridas fornecem informação das comunidades locais, mas também sobre espécies que ocorrem nos habitats contíguos e são atraídas pelas cores chamativas das armadilhas.
ARMADILHAS COLORIDAS
Algumas das espécies de polinizadores registadas na área de estudo: o escaravelho Rhagonycha fulva (a), a abelha do mel Apis mellifera (b), a mosca das flores Eupeodes sp (c), a borboleta cauda de andorinha Papilio machaon (d), a mosca das flores Sphaerophoria scripta (e) e o escaravelho Psilothrix sp (f).
Em conclusão, queremos realçar a importância da banda multifuncional na atração e fixação de polinizadores de diferentes grupos ao longo do mosaico de culturas, permitindo que estes ocorram em abundância e diversidade, e assim desempenhem a importante função ecológica da polinização nesse habitat e nos outros que lhe estão próximos. As culturas agrícolas beneficiarão com a criação de bandas multifuncionais e/ou a manutenção de espaços naturais que assegurem a presença de grupos importantes de entomofauna auxiliar, como os polinizadores e os predadores/parasitóides de pragas agrícolas.
É também importante realçar que bandas naturais que acompanhem as margens das culturas são e devem ser uma prática a implementar no âmbito da produção agrícola, pois os ganhos em biodiversidade local, traduzem-se em incrementos de produtividade e na qualidade dos produtos agrícolas.