MANUTENÇÃO DOS CICLOS DE NUTRIENTES E DO CARBONO NO SOLO
As práticas agrícolas de intensificação ecológica implementadas na exploração do Monte de Santo Isidro (corredor ecológico ribeirinho e orla multifuncional para polinizadores), bem como áreas não intervencionadas sujeitas a agricultura de precisão (culturas de cereais e proteaginosas) ou montado (sistema agro-pastoril), foram comparadas quanto ao potencial para fornecer serviços do ecossistema ligados à saúde do solo. Por um lado, avaliou-se a matéria orgânica no solo (SOM), através de métodos de queima (Loss on Ignition), que estimam a quantidade de matéria orgânica presente no solo, representando quer o carbono armazenado no solo, quer as fontes de alimento para os microorganismos decompositores. Por outro lado, observou-se o potencial de decomposição da matéria orgânica em cada um daqueles locais, através do método dos saquinhos de folhada padronizados (teabags), que nos indicam a actividade, ou abundância, dos microrganismos decompositores, e é indispensável para que o serviço da reciclagem dos nutrientes aconteça de modo natural, e sem recurso a inputs externos de fertilizantes. Um solo mais saudável, e onde os serviços do ecossistema foram menos impactados, deve conter uma maior quantidade de matéria orgânica e um nível elevado de actividade decompositora, reflexos de biodiversidade e de um uso do solo sustentável que permitirá manter a produção agrícola.
A matéria orgânica (SOM), sendo um parâmetro de modificação lento, foi avaliado apenas uma vez; enquanto a taxa de decomposição potencial foi avaliada 2-3 vezes (consoante os locais), pois é muito influenciada pelo clima (ex. temperatura e humidade do solo), que varia ao longo do ano. Cada um dos ensaios com os teabags teve uma duração de ca. de quatro meses (Novembro-Março, MarçoJulho, Julho-Novembro). Na página 6 é apresentada uma sequência de imagens, produto do Sentinel Hub, que mostram as alterações na vegetação mensalmente durante os ensaios. Os locais avaliados caracterizam-se do seguinte modo:
CORREDOR ECOLÓGICO RIBEIRINHO - Faixa elevada artificialmente junto ao rio Sorraia (valado), com recurso a entulho e material da zona envolvente, por isso o solo no local não tinha ainda uma estrutura natural consolidada, e o pH era mais alcalino (8.3-9.3) que o dos restantes solos. No topo da faixa foram feitas as covas de plantação das árvores e arbustos para a criação do corredor ecológico, e instalado um sistema de rega gota-a-gota, que permitiu fornecer água às plantas (e ao solo) mesmo nos meses de Verão. No lado contrário ao rio, a faixa é ladeada por um terreno de cultivo, dedicado a misturas forrageiras, que, em anos intercalados, são enfardadas, ou pastoreadas directamente por gado bovino (como aconteceu durante o ensaio). Foram colocados três pontos (cada ponto corresponde a 10 teabags) ao longo da faixa de topo, entre as duas linhas de plantação das árvores/arbustos, e paralelamente, três pontos no declive do valado (a ca. 30 cm a 1 m das covas de plantação), num total de seis pontos (ID #10 a #15). Temporalmente avaliou-se a decomposição entre Março e Julho (zona coberta por herbáceas altas espontâneas, a secar) e Julho a Novembro (cobertura por vegetação seca, pastoreado). O efeito das plantas colocadas para formar o corredor ecológico ainda não é detectável sobre os processos de decomposição, pois são plantas de crescimento lento (lenhosas), mas a introdução no local de rega gota-agota, vai aumentar a disponibilidade de água para os microorganismos do solo. Os seis pontos foram analisados em conjunto (média) pois não se observaram elementos que os distinguissem entre si.
09/03/2021
15/07/2021
PIVOT DE CEREAIS - com trigo (Triticum spp.) semeado em Novembro 2020, surgimento e crescimento das plantas entre Dezembro e Maio, seguindo-se a secagem e/ou corte de Junho em diante. Neste pivot com rotação de culturas, depois do restolho pastoreado, semeia-se azevém (Lollium spp.) em Outubro, colhe-se em Maio, depois é semeado girassol, colhido em Outubro, novamente seguido pelo trigo em Novembro. Foram avaliados dois pontos, no centro (ID #17) e na margem (ID #3) do pivot, entre Março e Julho, e Julho e Novembro (sendo o ponto #3 um controlo, a par dum ponto na orla multifuncional, foi também avaliado de Novembro a Março). O ponto marginal pode ter beneficiado de humidade de outro pivot a noroeste, regado durante o Verão, por isso, embora a gestão e os solos sejam similares (pH 7,5 e 7,8), os dois pontos foram avaliados em separado.
09/03/2021
05/07/2021
#17
MARGEM NO CANTO OESTE DO PIVOT (triângulo) - semeado com azevém (Lollium spp.), não regado, pH 6,9. Colocado um ponto (ID #1,
controlo a par dum ponto na orla multifuncional) e avaliado nas três épocas (Nov-Mar, Mar-Jul, Jul-Nov).
12/12/2020
15/07/2021
MARGEM NO CANTO NORTE DO PIVOT (triângulo) - semeada com trigo (Triticum spp.) e regada por aspersão. No Inverno os solos ficam alagados, e têm um pH de 8,2 alcalino. Colocado um ponto (ID #5), controlo a par dum ponto na orla multifuncional) e avaliado nas três épocas (Nov-Mar, Mar-Jul, Jul-Nov).
12/11/2020
15/07/2021
ORLA MULTIFUNCIONAL - (ca. 850 m) criada no topo da zona do pivot de cereais (entre 2 pivots), para atracção de polinizadores. Após gradagem do terreno foi semeada com uma mistura de plantas contendo 5 espécies de leguminosas (coentro = Coriandrum sativum, 25%; trevo da Pérsia = Trifolium suaveolens, 10%; trevo da Pérsia resupinado = Trifolium resupinatum, 10%; ervilhaca vilosa = Vicia vilosa, 12%; tremocilha = Lupinus luteus, 14%), uma umbelífera (sanfeno = Onobrynches vicifolia, 15%) e uma crucífera (colza = Brassica napus, 14%), da Syngenta/Fertiprado (Operation Pollinator I), sem rega, numa faixa com ca. 3 m de largura. Foram avaliados 3 pontos ao longo desta faixa (ID #2, #4 e #6, a ca. 250-350 m de distância), cada um com um ponto controlo correspondente, fora da faixa, a ca. de 2 m (#1, #3, #5, respectivamente), e durante três épocas (Nov-Mar, Mar-Jul, Jul-Nov). Visto que os três pontos têm solos diferentes (pH 7,0 a 7,8), escoamento e diferenças na rega dos campos contíguos, foram considerados independentemente.
12/11/2020
09/13/2021
09/03/2021
15/07/2021
PIVOT DE MILHO - Zea mays), mais a Leste da herdade (em rotação bianual com ervilha = Pisum sativum) e com rega durante o Verão até Setembro, oferece aos microorganismos do solo, condições de humidade e temperatura completamente dissimilares das que ocorrem na natureza e um pico de vegetação verde em Agosto. Em Maio o solo é trabalhado para semear o milho que em Julho já cobria o terreno, maturando em Setembro. Foi avaliado um ponto no pivot (ID #16), de solo com pH próximo da neutralidade (6,8)
12/11/2020
12/11/2020
MONTADO DE SOBREIRO - (Quercus suber): o montado é um sistema silvopastoril, menos intervencionado ao nível do solo, sem rega, com extremos de temperatura amortecidos pela sombra das árvores, mas sofrendo algum stress com a compactação pelo pastoreio do gado bovino pesado, e o aporte de azoto extra do seu estrume. Foram avaliados três locais (ID #7, #8 e #9), todos em conjunto, sendo relativamente semelhantes entre si (pH 6,2 a 7,2) em particular os dois pontos mais a sul.
09/03/2021
09/03/2021
09/03/2021
15/07/2021
A matéria orgânica no solo (SOM) estimada pelo método de ignição (queima a 550 °C) nos 17 pontos estudados, variou entre 1,7% no pivot de milho e os 11% na margem do campo de cultivo de cereais. O sequestro de carbono sob a forma de matéria orgânica no solo, é mais potenciado pelos usos do solo onde existe ou existiu incorporação no solo de plantas com alta proporção de C/N (ex. lenhosas, restolho do trigo ou do milho, raízes abundantes), mas onde não existe N disponível de outras fontes para permitir a sua rápida degradação. No caso do pivot de milho, ou não tem havido incorporação de matéria orgânica no solo, ou um excesso de fertilização azotada fomenta a mineralização daquela, reduzindo o sequestro de carbono (os efeitos da fertilização vs. alteração dos stocks de SOM, variam com o tipo de fertilizantes, as suas proporções, e como afetam o pool de microrganismos presentes). No montado, a um baixo aporte de matéria orgânica rica em carbono, soma-se a contribuição de azoto do gado, diminuindo o rácio C/N, e assim o sequestro de carbono.
O serviço de decomposição da matéria orgânica (SOM) foi em geral mais efectivo na orla para polinizadores que no controlo respetivo (pares ligados), em especial durante os meses de Julho a Novembro (sem precipitação). No caso dos pontos C (#3 e #4), a maior taxa poderá estar relacionada com maior humidade no solo, devida à rega vinda dum outro pivot próximo. A SOM nos solos amostrados, em média diminuiu, mas sem uma tendência definida, por isso a alteração não deve ser significativa no curto espaço de tempo do ensaio.
Os padrões de decomposição, nas várias formas de gestão do solo, foram em geral os inversos dos da quantidade de matéria orgânica no solo, ou seja, locais onde a decomposição potencial foi mais elevada possuem menos matéria orgânica no solo. Esta resultado é mais evidente nos dados de Julho-Novembro (R2=0,84) que nos de Março-Julho (R2=0,33), mas não deve ser considerado uma regra, devido aos vários fatores que a influenciam.
Assim, no caso dos usos de solo avaliados, a taxa de decomposição esteve dependente da existência de água, ou dum microclima que proporcione a presença de humidade e diminuição dos excessos de temperatura na época seca, como as sombras arbóreas, a densidade de biomassa herbácea verde, ou a cobertura por biomassa mesmo que seca. A diversidade de plantas que se vê à superfície é também um indicador da biodiversidade dos microorganismos do solo e do seu potencial decompositor. Por outro lado, nos meses com presença de água, a decomposição pode ser afectada negativamente pela falta de arejamento do solo (anoxia) nos casos de alagamento, impedindo a actividade dos microorganismos e a manutenção do ciclo dos nutrientes, mas também positivamente no caso de solos ácidos, em que a solução aquosa do solo estimula a digestão ácida da matéria orgânica.
Já a SOM, embora dependa da decomposição para a diminuição do stock de carbono, no sentido contrário, o seu aumento (desejável), vai depender muito das prácticas agrícolas e das culturas introduzidas, que tornam a SOM recalcitrante à decomposição e permitem o seu armazenamento durante maiores períodos.
As práticas agrícolas desenvolvidas na exploração do Monte de Santo Isidro visam os aumentos da quantidade e qualidade de produção por via da intensificação ecológica, e contribuem simultaneamente para a manutenção de valores consideráveis de biodiversidade nativa e para a manutenção dos processos ecológicos.
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A manutenção e/ou recuperação de espaços naturais (e semi-naturais) na propriedade, nomeadamente áreas de montado e de vegetação ribeirinha, a par da criação de bandas multifuncionais (que deverão ser compostas por plantas nativas) contribuem para a ocorrência de populações saudáveis de uma diversidade de espécies de polinizadores e de outros insetos auxiliares (predadores e parasitóides das pragas agrícolas), que asseguram bons níveis de produção e a sustentabilidade dos ecossistemas agrícolas.
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Ao nível do solo, os espaços de montado e das bandas multifuncionais, foram aqueles onde os processos de decomposição se mostraram mais activos, relacionados com a biodiversidade e abundância da microflora do solo, em paralelo com os resultados à superfície de biodiversidade quer de plantas como de insectos polinizadores (nos percursos). No espaço mais artificializado, a cultura de milho, onde há introdução de água fora da época normal das chuvas, a decomposição foi demasiado rápida, perdendo-se a matéria orgânica que ajuda na fixação do carbono.